Abubacar Demba Dahaba, economista e antigo quadro do BCEAO, é candidato a liderança do PAIGC no próximo Congresso do Partido. A decisão de se candidatar a liderança do maior partido político nacional foi tomada há muito, mas só agora, o ex-ministro das Finanças decidiu aparecer nos médias. E logo com uma justificação. Primeiro disse que decidiu ingressar na política activa, porque terminou a sua carreira como quadro internacional do BCEAO e a experiencia de gestão acumulada quer colocá-la ao serviço do Partido e do país. Numa entrevista exclusiva ao UH, Abubacar Demba Dahaba falou dos motivos que estão na sua decisão de concorrer para o cargo de Secretário-geral e sem rodeios afirmou que os actuais Estatutos do partido são responsáveis pela crise que o partido tem vivido ao longo destes anos. O referido Estatutos centralizaram todos os poderes num só órgão estatutário. A natureza deste Estatutos assemelha dum regime totalitário que facilmente cria culto de personalidade. Como solução define a descentralização dos poderes como a única saída para as persistentes crises no PAIGC. E a descentralização, na sua opinião passa pela reintrodução do cargo de Secretário-geral com poderes executivo. “Não é nenhuma novidade. Foi o modelo que o partido tinha e que funcionou”, disse. Em relação pretensões da Plataforma de Entendimento, Dahaba acha que as mesmas carecem ainda de clarificações em vários aspectos que precisam de clarificação. Por isso, os mentores do seu Projecto e seus apoiantes aceitaram negociar com os veteranos. “É prematuro pronunciar sobre o assunto”, disse.


Última Hora (UH) – Existem informações que dão conta que, o Dr. Decidiu fazer política activa, concorrendo para o cargo de secretário-geral no próximo congresso do PAIGC. Confirmas a informação?
Abubacar Demba Dahaba (ADD) – Confirmo a informação. O nosso Projecto de candidatura vigora há mais de um ano. Nos últimos sete meses, desde que foi anunciada a organização do Congresso no PAIGC, temos trabalhado no terreno. Reafirmo que, como militante estou disponível para servir os interesses do partido e do país.

UH – O que é que leva um quadro do BCEAO, com sucesso reconhecido, como é o seu caso a fazer política num país tão instável como a Guiné-Bissau?
ADD – Porque acredito que a Guiné-Bissau e viável. Estou disponível a partir de agora para a política activa. Antes, como quadro internacional no BCEAO em activo, estava vedado para fazer política. A minha carreira no banco chegou ao fim e decidi dedicar o resto de tempo para fazer política. O objectivo dessa decisão é dar a mesma contribuição que dei ao BCEAO para o país. No quadro da minha profissão, a experiência que acumulei precisa de ser dedicada a causa do meu partido em particular e do país em geral.

UH – O que é que lhe dá coragem de fazer política na Guiné-Bissau?
ADD - … risos. O que me dá coragem de fazer política neste país, é que continuo a acreditar ainda que o país é viável. E continuo no PAIGC, porque acredito que o partido reorganizado e renovado pode trazer o desenvolvimento ao país. Se o país é viável, como acredito, acho que pessoas com a experiência que acumulei ao longo de 26 anos, podem ajudar na transformação positiva do partido e do país, pelo menos próximo de aquilo que Amílcar Cabral tinha sonhado. Portanto é esta a minha ambição. Fazer alguma coisa que Amílcar Cabral tinha perspectivado, quando decidiu fundar o PAIGC. Repito mais uma vez que, acredito que, no tempo que me resta, ainda é possível mudar muita coisa para positiva. Primeiro, contribuir para a unidade e estabilidade do partido e a seguir, desenvolvimento do país.

UH – Garantir estabilidade no PAIGC passa pela sua união. O PAIGC (mesmo sendo um partido ganhador), não é unido. Já estudou as causas das divergências internas no PAIGC?
ADD – As divergências de que está a referir no PAIGC, são de longa data. Por aquilo que tenho constatado, as divergências de hoje no PAIGC têm reflexos de anos atrás que devemos referir e mostrar que percebemos algo. Para falar da situação actual e perspectivar o futuro e importante passar em revista o histórico. Assim, no período da Luta Armada, as divergências no PAIGC provocaram o Congresso de Cassacá. E quem é o verdadeiro Combatente da Liberdade da Pátria, sabe o motivo e não vale a pena entrarmos em pormenores. Mas em Cassacá se conseguiu ainda corrigir certas coisas. Ou seja se conseguiu parar apenas as divergências na altura, mas não foram erradicadas. As pessoas continuaram e em 1973, por causa das divergências no PAIGC, mataram Cabral em Conacri. Tudo é reflexo das contribuições antagónicas existentes na altura no partido. Mais uma vez não vou entrar em pormenores, mas todos ouvimos na altura de que apuraram as causas e a luta continuou. E aqui devo sublinhar a grandeza dum responsável como Cabral como grande homem, porque apesar de o terem morto, as estratégias que tinha desenhado para a luta, por serem eficazes e exequíveis, conseguiram a independência. Cabral morreu, mas a sua obra não. O Programa Menor que tinha traçado foi cumprido pelos Combatentes da Liberdade da Pátria. Embora esteja até a data presente a faltar o Programa Maior, que é o desenvolvimento. Mas o que devemos concluir aqui é que Cabral morreu por causa das divergências no PAIGC. Já com a independência e no ano 1980, por causa das divergências no PAIGC, militantes e dirigentes do partido pegaram em armas contra o seu próprio Governo. Estou a falar de 14 de Novembro. Este movimento foi desencadeado pelos dirigentes do PAIGC, por causa das divergências existentes no partido. Portanto, em tudo aquilo que já tinha acontecido ao país, 14 de Novembro foi o maior entrave colocado ao desenvolvimento do país.

Eu alimento sempre uma convicção: por mais que possamos estar divergentes em opiniões e até nas posições, só o diálogo pode ajudar-nos a ultrapassar. Violência não constitui solução para nenhum problema. Alguém pode dizer, mas a luta armada foi violenta. Respondo que fomos obrigados a fazer luta com armas, porque se existisse uma outra solução, acredito que ela seria adoptada. Depois de 14 de Novembro, o país passou a viver de golpes e contragolpes. Na minha opinião, a partir de 14 de Novembro, nós do PAIGC quase que introduzimos na agenda política que existe outra forma de chegar ao poder, é dar golpe de Estado. Foi isso que mostramos as pessoas e acabou por ser copiado. Hoje em dia, quando temos problemas recorremos a arma: Mau ensinamento. Mas o que é que tudo isso tem a ver com união no PAIGC? Tem a ver, porque, nós nesse partido, não estamos habituados a cumprir os estatutos. Quando não cumprimos os instrumentos que nos devem guiar, o resultado não pode ser outro. O golpe de 14 de Novembro deixou-nos nesse caminho e assim sucessivamente. Fomos até Gabú (local onde se realizou o último Congresso do PAIGC) e mais uma vez, o instrumento que aprovamos não foi respeitado. Na minha opinião os Estatutos que aprovamos em Gabú centralizaram demasiadamente o poder num só órgão estatutário e numa única pessoa.
UH – Acha que as últimas divergências no PAIGC têm a ver com os seus estatutos?
ADD – Sim. Porque na minha opinião, as últimas divergências no PAIGC se devem ao facto dos poderes estarem todos centralizados num órgão estatutário. Nós é que elegemos o órgão colocando lá uma pessoa, mas foi um erro adoptar aqueles estatutos. Os instrumentos que aprovamos em Gabú (Estatutos), se assemelham a um instrumento de regime ditatorial que facilmente cria culto de personalidade e leva o titular de um órgão a pensar que é Deus. Os poderes estavam demasiadamente centralizados. Foi mau. Porque o PAIGC no passado criou democracia interna. Os seus órgãos não eram assim. Como é possível de um dia para outro arranjar um instrumento que reprimi a democracia interna que tínhamos! Esta foi a principal razão das últimas contradições. E elas vão continuar, caso não adoptarmos estatutos capazes de descentralizar os poderes. Só a descentralização de poderes pode trazer sossego no PAIGC. E o nosso projecto, para isso é que está a lutar. A descentralização, é um imperativo para o bom funcionamento de uma sociedade. Notem bem que no Estado descentralizamos os poderes, mas no partido tudo está centralizado. Centralizamos até ao ponto de não lembrar que estamos a trabalhar para o bem da sociedade. Vejam só quando o PAIGC ganha eleições. Acomoda-se logo nos gabinetes. Não abre para as autarquias. Mas quem não sabe que, a dinâmica de desenvolvimento de um país se começa nas bases, nos Governos locais. Não e por acaso que as infra-estruturas importantes nas regiões estão progressivamente a desaparecer.
UH – Ficou claro que, para o vosso projecto os actuais estatutos não serve. Acha que têm condições para fazer alterações necessárias nos futuros estatutos? O que é que o vosso projecto pretende alterar de concreto?
ADD – Quando estou a criticar que a centralização demasiada de poderes é má, não posso nunca querer ser dirigente do PAIGC com o mesmo modelo. Defendemos a descentralização. Mas não foram apenas ideias. Fizemos proposta de revisão e que permitirá a descentralização.
UH – O que é que está na vossa proposta?
ADD – Na nossa proposta está uma coisa bem clara: é preciso ter Presidente do Partido e um secretário-geral do mesmo. Não é nenhuma novidade. Faz parte do modelo dos estatutos dinâmicos que todos já conheciam. Aqueles estatutos que os Combatentes conceberam e que funcionaram até há bem pouco tempo. Portanto é este modelo de Estatutos que defendemos. Fomos ainda bem longe. Achamos que é mais interessante, conforme a nossa proposta a condição do presidente do partido ser candidato do mesmo para cargo de presidente da ANP e que o Secretário-geral seja indicado como Primeiro-ministro em caso de vitória. É este modelo de Estatutos que o nosso projecto defende. Na nossa opinião, este modelo de Estatutos é muito mais leve, mais fácil de gerir, mas sobretudo aquele que permite maior descentralização dos poderes. Com este modelo cada um passará a saber onde iniciam e acabam as suas competências como dirigente do partido. Adopção deste modelo, é previamente evitar as indefinições. Por se este modelo for adoptado, qualquer um saberá doravante que, quando o PAIGC vai às eleições, o seu candidato à Primeiro-ministro, é seu Secretário-geral. Muitos já disseram que, se o secretário-geral for para as funções de Primeiro-ministro, também não terá tempo para ocupar do partido. Falso pretexto. Nos Estatutos anteriores, havia um secretário-geral adjunto. E aquilo fez com que o partido funcionasse. Porquê? Porque se prestava contas. Mas não se pode ter num partido, instrumentos iguais as que temos hoje, onde ninguém presta contas a ninguém!

UH – Para além da proposta do projecto que lidera, existe uma outra sustentada pela Plataforma Entendimento e Coesão Interna. Conhece a referida proposta? Qual é a vossa diferença?
ADD – O nosso Projecto não subscreve a proposta que está a ser sustentada pela Plataforma. Pelo menos até este momento em que estamos a falar. Mas estamos a negociar e não queria falar tanto nisso.

UH – Embora não esteja interessado em falar em pessoas, gostaria de saber a sua opinião sobre a aposta em Carlos Correia como presidente do PAIGC?
ADD – Não constitui nenhuma novidade essa intenção de militantes em ver o partido entregue aos mais velhos. Acho que essa era passou. Não é por acaso que Malam Bacai Sanhá esteve no Congresso de Gabú. Todos sabiam que ele nunca seria Primeiro-ministro. Devia estar na presidência do partido para passar testemunha a nova geração. O que me faz pena é pessoas continuarem a pensar dessa mesma forma. Digo pena, porque parto sempre de princípio que cada um de nós tem um período útil na vida. O que sou capaz de fazer é, não é igual com o que farei quando atingir 70 ou 80 anos. No nosso Projecto temos muito respeito e estima aos nossos mais velhos. Mas acho que eles mesmo devem ponderar. O PAIGC está aqui onde está, porque estes que hoje chamamos de veteranos de partido é que o conduziram na altura, enquanto jovens. Eles é que fizeram a gestão do partido até aqui e na situação em que está. O que não conseguiram fazer para o partido enquanto jovens, não será feito agora, onde já estão com uma idade tão avançada. Não será agora que vão alterar tudo para positivo. Passação de testemunha é necessário, mas noutros moldes. Somos da opinião que os veteranos constituiriam para nós, uma biblioteca de orientação para a nova geração na gestão do partido. Deviam ser eles a fazer-nos evitar erros que tiveram no passado, sejam involuntários ou não.
UH - Acha que não é pertinente a candidatura de Carlos Correia? 
ADD – Considero que a candidatura dele deve ser ponderada. O assunto Carlos Correia pode ser tratado doutra forma.

UH – Faltam-me três questões. O PAIGC; o Governo e áreas prioritárias do país. Está a preparar para o Congresso sem garantias de que vai ter lugar. Acredita que o PAIGC vai ao Congresso antes das eleições?
ADD – Neste momento, se o PAIGC quer participar nas próximas eleições, o único caminho que dispõe é fazer o Congresso. Se na verdade queremos respeitar dispositivos legais em vigor no país e se queremos que o PAIGC vá as eleições, obrigatoriamente temos que fazer o Congresso. O congresso tem de ser feito. Se não, o partido, nas presidenciais, por exemplo será obrigado a ir atrás de um independente. Mas se isso acontecer, seria extremamente grave. Até prova em contrário, acredito que vamos ao Congresso antes das eleições.
UH – Quem é que acha que é responsável para organização do Congresso?
ADD – Não vou aqui pessoalizar, mas existem comissões. Existe uma direcção, embora o mandato já esteja expirado. Eles é que devem trabalhar para que haja Congresso. Mesmo se o mandato da direcção terminar como terminou, foram instituídas comissões para organizar o Congresso e estas comissões devem funcionar. Portanto esta direcção caduca é responsável pela organização do Congresso.
UH – Recentemente houve uma remodelação governamental e surpreendentemente, foi afastado. Pediu para sair, foi surpresa ou esperava que podia acontecer a qualquer momento independentemente do trabalho que estava a fazer?
ADD – Não. Mas compreendo que nos lugares somos sempre passíveis de sermos substituídos. Se cheguei ao Governo como ministro das Finanças, é porque quem estava lá saiu. Portanto lugares como aqueles são passageiros. Um sai outro entra. E quando nos substituírem, não devemos levar a mal por isso.

UH – Mas muitos dizem que foi uma saída surpreendente por aquilo que fazia?
ADD – Quem o disse tem os seus fundamentos. Inspirou os seus argumentos certamente no trabalho que fiz. São opiniões das pessoas que reconhecem o trabalho das pessoas e agradeço apenas. Mas para mim não, porque tenho noção do que é ser ministro nesse país. Na minha opinião, neste país, um ministro que de facto quer trabalhar, quer pôr ordem e disciplina como noutros países, não passa de um escravo. Para mim era escravatura, porque os esforços para cumprir tudo aquilo que é necessário para satisfazer minimamente a sobrevivência de administração central do Estado, nos levava a ultrapassar as nossas capacidades físicas. O que me animou como ministro, é que estava lá para pôr ordem. O que Amílcar Cabral nos ensinou e aquilo que os Combatentes nos ensinaram, disciplina e rigor é só isso que tentamos aplicar na prática. Não gosto de funcionar fora de dispositivos legais em vigor. Porque para chegarmos a determinadas funções, existe sempre proposta no quadro dum termo de referência bem definido. Quando assim, temos a consciência clara que é um lugar passageiro qualquer dia vamos sair.

Quando chegamos estruturas como finanças, o que devemos fazer é mobilizar receitas e distribuir o pouco que consegue colectar em nome da sociedade e do país, ao contrário não vale a pena ser ministro das Finanças. Porque para distribuir recursos tão limitados ou que não existem são necessárias muitas ginásticas. Muitos até me perguntavam como conseguia pagar salários. Respondia que não tínhamos nada, mas as boas políticas, a boa organização do Ministério das Finanças para combater atropelos a lei na gestão de escassos recursos. Ou fazer gestão da coisa pública fora de dispositivos legais em vigor, não podiam ser admitidas.

UH – Mas pessoas que não gostam das suas medidas, estão no Governo ou noutras estruturas de decisão?
ADD – Claro. Porque, sempre disse que não eram medidas impopulares. O que fizemos era medidas necessárias. Hoje, estou convicto de que as medidas que tomei no Ministério das Finanças é que podem levar este país para frente. Qualquer ministro que lá chegar, se não tomar as mesmas medidas, este país não vai a lado nenhum. Porque são reformas necessárias e indispensáveis. Quando tomo medidas não invento ou faço a minha maneira. Tento implementar o que aprendi na Faculdade. É isso que faço sem compromissos com ninguém. Não tenho compromissos com ninguém. Aliás, é bom que as pessoas saibam que não recebo no Governo. Quando me chamam para o Governo, é mediante uma requisição no BCEAO. E onde me requisitaram é que se encarrega do meu salário. As requisições que fazem de mim, é sempre nos momentos conturbados. Chamem-me como bombeiro. E na missão de apagar fogo, para salvar o pais. Portanto, como ministro das Finanças, estava lá numa autêntica escravatura, mas sempre correspondia a expectativas das pessoas que propõem o meu nome. Em 1998, por exemplo fui ministro das Finanças. Pagava praticamente dois salários num mês. No Governo de Fadul. Se hoje, fala-se tanto em Fadul, também contribui para o sucesso do seu Governo. É isso que me anima com o trabalho que fiz nas Finanças ao lado de toda equipa que encontrei lá. Sempre apostei em competências. Porque agora, não vou estragar o meu trabalho devido a política. Pensar que sou ministro, quando lá chegar vou correr com todos os quadros. Comigo isso não funciona. Um quadro pode ser rebelde com todos, mas a mim só interessam resultados. Eu nem preocupo em saber dos partidos, porque na transição o que se exige, são resultados. Atenção: se decidirmos politizar o Ministério das Finanças, não restam dúvida que não vai funcionar.

UH – O seu desempenho não foi contestado, mas houve uma questão muito controversa: campanha de castanha de caju e que envolveu o nome do ministro das Finanças?
ADD – A situação da campanha tem a sua explicação. Só alguém imbuído de má-fé vai querer envolver o meu nome. Se repararem bem, antes do surgimento do pagamento de 50 Fcfa; antes do surgimento do FUNPI, o preço por quilograma não era assim tão polémico. A campanha iniciava com certas anomalias, mas depois estabilizava-se em termos do preço. Antes de 50 Fcfa aparecer, o preço não era assim tão polémico. Mas depois de aparecer, o preço começou a ter problemas sobretudo no produtor. Ouvi certas pessoas a dizer que o ministro das Finanças é responsável pela situação vigente na campanha de castanha de caju. Não é verdade. Essas afirmações não correspondem a verdade. Podemos admitir que no primeiro ano do pagamento de 50 Fcfa, as pessoas foram surpreendidas. Dissemos até que definiram regras dentro de do jogo iniciar, quando devia ser antes. Admitimos que as pessoas foram apanhadas de surpresa, porque os operadores não introduziram 50 Fcfa nas suas estruturas de custo. Mas aquilo foi só no primeiro ano. Mas depois, todo aquele que é operador económico que pretende ganhar dinheiro tinha que prever. Porque é óbvio que ninguém decidiria oferecer 50 Fcfa e todos introduziram aquilo nas suas estruturas de custo. Outra coisa: Dizer que os estrangeiros é que pagam, não corresponde a verdade. Em cada nível de cadeia de caju, estes 50 Fcfa são pagos. Dizem que quem paga são os indianos. Os indianos compravam junto dos nossos exportadores, os 50 Fcfa reflectem nos custos que pagará ao exportador. O exportador por sua vez, vai ao intermediário que também calcula os seus 50 Fcfa. Não oferece. O intermediário vai junto ao produtor e reflecte ali os seus 50 Fcfa. São estas ginásticas é que estão a penalizar a campanha. Não é verdade que são os indianos que pagam. A campanha está como está, porque todos foram buscar 50 Fcfa junto do produtor. As pessoas impuseram os produtores a pagarem custos que não deviam. Mas se recordamos o que fizemos no Ministério, posso até dizer que foi um trabalho enorme. Na castanha do ano passado, fomos obrigados a devolver 40 Fcfa, porque não conseguiram exportar. Fizemos a devolução porquê? Porque se a campanha deste ano tivesse apanhado o stock de 2012, seria pior. Foi um consenso no Conselho de ministros e decidimos devolver as pessoas 40 Fcfa. Para este ano, antes da campanha iniciar, recebemos missões de instituições financeiras internacional (BM e FM). Discutimos com o banco Mundial e o FMI. Porquê? Porque o crescimento económico do ano passado foi negativo. Foi       -1,5 por causa da má campanha de castanha de caju. E para não repetirmos os mesmos números tendo em conta que o preço internacional da castanha não está bem, fizemos uma projecção de crescimento económico de 3,5. Podemos atingir este nível se a campanha fosse boa. E eles recomendaram mesmo para este ano suspender o pagamento de 50 Fcfa. Discutimos e como ministro das Finanças, tenho a minha opinião. Foram junto ao Primeiro-ministro e disseram que era necessário suspender pelomenos este ano pagamento de 50 Fcfa, porque senão, a campanha seria péssima. Saíram lá e foram para o Presidente da república dizê-lo a mesma coisa. Suspender 50 Fcfa este ano é uma necessidade para salvar a campanha e retomar no próximo ano, com a justificação de que  o preço internacional da castanha não está bem. Daí, eu na qualidade de ministro das finanças, disse não. Se suspendermos, pode vir a cair no esquecimento e ninguém aceitará pagar no próximo ano. Vamos repetir aquilo que pagaram no ano passado. Eram 10 Fcfa. E foram 10 Fcfa que estipulamos como FUNPI através do despacho conjunto. E foi naquele período é que se comprou mais castanha no país. Tudo estava parado. Isso animou a campanha porque se tratava de medidas certas se na verdade não queremos politizar a castanha. Se essa medida prevalecesse, hoje o camponês não ficava com a sua castanha no mato.
UH – Mas o parlamento obrigou…
ADD – Espere só esclarecermos uma coisa. Se tivessem mantido o preço até a data, ninguém compraria a castanha em menos de 210 Fcfa. Se estas medidas tivessem continuado esta situação seria outra. Era só questão de tempo. Toda a castanha iria sair junto do produtor e hoje o país não teria fome. Não sou talvez, o melhor economista deste país, mas o que aprendemos deixa-nos a vontade para pronunciarmos e recomendar. É verdade que ANP é um órgão soberano. Ninguém tem dúvidas disso. Mas por vezes as medidas que toma e que pensa que servem para ajudar o país, acabam por ser contrárias. Não é a primeira, nem segunda e nem a terceira. Essa medida que ANP tomou, foi uma das principais razões do bloqueio da campanha de castanha de caju. Não devia ser assim. Deviam pelo menos a nível da Comissão Permanente sentar e discutir o assunto com sangue. Quando Governo tomou essa medida não foi de ânimo leve e nem visava beneficiar ninguém. Visava apenas salvar a campanha e o país. Salvar a população. Alguém nos disse uma vez que cada castanha exportada, foi tocada por uma mão. E essa mão precisa de ser tida em conta nas nossas decisões. Queríamos salvar apenas a campanha. Mas se o problema foi até a esse nível e chegar as autoridades máximas do país, o que faltava era apenas a concertação. Não fica bem as instituições do Estado estarem a tomar medidas isoladas ou de musculação. Na economia pior ainda. Na economia 1+1=2. E as medidas que ANP tomou não vão ajudar. Aliás, bloquearam a campanha. Repito mais uma vez que ANP pensa que as medidas que tomam servem para ajudar o país, não. Por vezes são piores. Falo com conhecimento de causa. E recuo para dizer que assistimos aqui neste país ANP a tomar medidas para acabar com imposto de reconstrução nacional. Mas aquela foi má política. Foi uma decisão incorrecta. Foi esta ANP é que baixou taxas para incentivar a importação do arroz. Sabe o que isso significa, matar produção local do arroz. E entramos nesta questão de castanha e certamente vai matá-la também. Deixo um aviso: se misturarmos bastante medidas políticas com medidas económicas, o resultado será bloqueio. Se com decretos e demais outras decisões queremos controlar a economia, vamos criar economias subterrâneas. Quer queiramos ou não, não vai marchar, porque na economia, não há milagres.

UH – Para si na Guiné-Bissau, qual é a área que deve ser priorizada para podermos atingir o desenvolvimento?
ADD – Já o disse em várias ocasiões e repito: Se pretendemos sair dessa situação temos que resolver o problema da energia. É a primeira área. Mesmo se decidirmos dedicar mandato de um Governo só para a resolução do problema energético. Se resolvermos este problema, o desenvolvimento terá caminho para andar. Se não fizermos isso, não vamos a lado nenhum. No segundo ponto, vem a educação. Temos que viver da experiência de outros países. Se tivermos quadros competentes, quadros que aceitarem desafios, vamos mudar as coisas. Dissemos sempre quadro intelectual, mas a intelectualidade não é apenas ler e escrever. É esse entendimento de muitos sobre o que é ser intelectual. Mas noutros países, a camada intelectual, é responsável pelo relançamento do país. Cabral foi intelectual da sua época, mas fez revolução. Mas isso não se limita em escrever e ler. Um intelectual tem que saber conceber, organizar, mas sobretudo orientar as massas a volta a sociedade para que saiba o que deve fazer. É isso que pode trazer desenvolvimento num país. Os Governos sem povo não conseguem reformas, nem económicas e muito menos sociais. Nenhum Governo faz reformas. Quem faz reformas é a sociedade. Todas as reformas concebidas por um Governo, para serem implementadas, a sociedade tem de aceitar. Se não aceitar é só caos que se cria no país. É isso que me leva a dizer que não é o governo. O Governo concebe as reformas e quem aceita é a sociedade. E para que a sociedade aceite, é bom que sejam claras, porque ninguém ficará eternamente nas reformas. As reformas têm custos e os custos recaem nas pessoas. Aceito a reforma, porque no final a minha vida ficará bem. Sem isso, não pense nisso. Portanto são essas áreas para mim são prioritárias para quem quer desenvolver. E na terceira posição, vem as infra-estruturas. Se conseguirmos nessas três áreas, o país terá um largo caminho para o desenvolvimento.